Levanto a cabeça para me ver, mas não me reconheço.
Quem fui, aquela criança crescida que encarou o amor como base fundamental da felicidade, que fechou os olhos e alimentou a mentira que sabia estar a viver, fundamentada em expectativas inúteis, construída sobre mudos sinais de aviso. Simultaneamente adulto prematuro que quis assentar e avançar no cumprimento das normas societais. Casar. Construir família. Ser feliz. Inconsciente daquilo que dou e exijo, na esperança ingrata de estar com alguém grande, na expectativa de poder ser alvo de imenso orgulho e de ter orgulho também. No fundo, doente pela tempo passado a carregar o peso de alguém que não melhora, vergada pela luta solitária na batalha dos dois.
Olho para trás e reconheço a fraqueza, o medo de existir sozinha e a consequente luta permanente por um amor ausente, distante, por um companheiro pequeno e desprovido de objectivos, desadequado ao contínuo esforço de crescer e ser maior. Sucessivas promessas de mudança vazias. Lágrimas com a mágoa de um amor unidirecional, cuja contraparte perdeu a vontade de existir.
Flutuámos juntos neste jogo de puxa para baixo e para cima durante tanto tempo que me habituei à tua existência, ainda que maioritariamente ausente e desinteressada. Uma existência que não quis, nem quero, preencher ou substituir, mas que carrega dor marcada no meu discurso e no meu coração.
Abracei o desconhecido, mudei de vento. Não por amar perdidamente como te amei a ti, mas por sentir que o teu amor há muito tempo que não me pertencia, nem nenhuma promessa carregava a verdade de alguma vez voltar a pertencer.
Observei-te ainda mais de perto no fim. Esperei estar errada. Quis estar errada (às vezes, ainda quero). Caí em mim. Ensurdecedores sinais de aviso ecoaram em todos os pedaços do meu ser, sobras do que quebraste e deixaste para trás.
Vencida finalmente pela dor, vi o que durante tanto tempo me recusei a ver. Segui o meu caminho, marcado pelos pés em sangue das feridas que abriste e não cuidaste. Obriguei-me a não olhar para trás.
Perdi-me no que ficou adiado para me encaixar em ti. Procuro-me agora. Navego a minha maré apenas e navego-a sozinha. Até encontrar o certo. Até fazer sentido.
sábado, 27 de abril de 2019
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